Mês de Combate à Alienação Parental
O fenômeno não está restrito à relação entre pais e filhos, e educação familiar pode ser um caminho
Neste mês de Combate à Alienação Parental, é preciso lembrar que esse não é um fenômeno restrito à relação entre pais e filhos. Por isso, especialistas falam em “alienação familiar”. Além de garantir a manutenção da Lei 12.318/2010, que trata do tema, é importante usar as críticas à legislação para seu aperfeiçoamento e também para o desenvolvimento de políticas públicas que enfrentam o problema. Entre as iniciativas que se podem ter em mente, está a possibilidade de se instituir um sistema de educação parental.
Para a professora Bruna Barbieri Waquim, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, entender a real essência do fenômeno da alienação parental requer a compreensão de que esse não é um problema somente entre pais, mães e filhos, mas que pode ocorrer em todos os subsistemas familiares.
“A característica mais elementar da prática de alienação parental é usar crianças e adolescentes como ferramentas, armas para atingir o outro adulto. Isso pode ser verificado até mesmo em dinâmicas familiares que prescindem da diversidade de sexo entre alienador e alienado, como casos de avós que alienam seus genros, madrastas que alienam mães e até mesmo mães que alienam avós”, comenta Bruna Barbieri Waquim.
De acordo com a especialista, na doutrina e na jurisprudência, já são encontrados relatos de atos de alienação envolvendo até mesmo irmãos contra pais idosos. “Isso só mostra como esse problema está arraigado no egoísmo e nas disputas de poder que podem tomar assento nas relações de família.”
Assim, torna-se importante falar em “alienação familiar”, dando conta de que a prática nociva pode surgir em outras relações de parentesco. “Aperfeiçoando o nome do fenômeno, nós possibilitamos que a comunidade jurídica e a própria sociedade identifiquem melhor esse mal e desenvolvam melhores técnicas para combatê-lo.”
Críticas à lei podem servir para aperfeiçoamento
O momento é de firmamento da Lei da Alienação Parental como instrumento legal de proteção. “Não é nada raro, no mundo jurídico, que leis protetivas de minorias vulneráveis sejam mal interpretadas e até criticadas. A própria Lei Maria da Penha sofreu com acusações de privilégio de gênero e de uma suposta inconstitucionalidade por quebra do princípio da isonomia”, exemplifica.
“Já tivemos várias denúncias de mau uso de medidas protetivas como instrumento de chantagem, de vingança em divórcios, mas não podemos perder o efeito pedagógico e educativo que a Lei Maria da Penha traz, já que ela inaugura no nosso ordenamento o conceito de violência doméstica e familiar contra a mulher, só porque ela seja utilizada em casos pontuais”, acrescenta Bruna Barbieri Waquim.
Da mesma forma, não se pode perder de vista os benefícios da legislação de 2010. “A Lei da Alienação Parental trouxe um nome para esse mal, o que permitiu conscientizar famílias, Estado e sociedade sobre os malefícios de se usar crianças e adolescentes como instrumento de vingança, de revanche, de chantagem.”
“Esse movimento de crítica à Lei da Alienação Parental deve ser recebido como uma importante ferramenta de apontar as falhas da aplicação da lei na prática, para que sejam superadas, e o objetivo maior de proteção integral passa a ser sempre alcançado. Nenhuma lei está a salvo de ser mal aplicada, senão não teríamos mais nem o Código Penal em vigor, pela quantidade de pessoas que já foram condenadas mesmo sendo inocentes”, defende.
Alienação parental tem base científica
É urgente e premente, segundo a professora, divulgar estudos científicos que estão sendo publicados em outras línguas – como inglês, espanhol e italiano – e que confirmam a existência do comportamento alienador e suas terríveis consequências ao público infantojuvenil. Ela cita os autores Amy Becker, Douglas Arnau, Verrocchio, William Barnett e Jennifer Harmon.
“São estudos contundentes, que mostram a verdade sobre o problema da alienação parental e que precisam ser divulgados em português para acabar com esse mito de que a alienação parental não tem base científica”, pontua. Ela lembra que recentemente foi criado o Global Action for Research Integrity in Parental Alienation – GARIPA, com o propósito de “servir de ponto de encontro dos estudos científicos sobre o mal da alienação parental”.
Capacitação de profissionais ainda é um desafio
De acordo com a professora, a alienação familiar é uma situação de risco que precisa ser trabalhada à luz do Estatuto da Criança e do Adoelscente – ECA e não apenas do Código Civil. “A Lei da Alienação Parental tem intrínseca relação com o microssistema protetivo do ECA, o que significa que é um problema que deve ser trabalhado na mesma perspectiva de rede. Para tanto, precisamos capacitar os profissionais.”
Mais do que revelar problemas na norma, ela vê o movimento que pede a revogação da Lei da Alienação Parental como um alerta para a necessidade de melhor capacitar os profissionais envolvidos no sistema de garantia de direitos infantis. “É uma lei neutra de gênero. É detalhada e bastante prudente nos procedimentos a serem seguidos, e todos os casos divulgados sobre a sua má aplicação tratam de falhas de pessoas e não de falhas dos seus artigos.”
“A proteção integral, vale lembrar, é transversal e demanda articulação dos variados setores públicos e da sociedade. Por isso, nós precisamos fortalecer o Judiciário, o Ministério Público, os Conselhos Tutelares, na assistência social e nas equipes multidisciplinares para que possam prestar o melhor atendimento possível e restabelecer a harmonia das famílias e a segurança dos direitos da criança e do adolescente.”
Ela destaca: “Nenhuma lei sozinha é a resposta para todos os males. A Lei da Alienação Parental, como qualquer outra, precisa de pessoas capacitadas para aplicá-la”.
Educação parental é um caminho de enfrentamento do problema
Um caminho para o enfrentamento do problema é investir na educação parental. Afinal, como frisa a especialista, não existe um curso que ensine a ser pai ou mãe. “Nós aprendemos a partir do que carregamos de bagagem dos nossos próprios pais e mães, o que significa que modelos disfuncionais, comportamentos errados, padrões maléficos de conduta acabam sendo transferidos de geração em geração.”
“Vivemos em um mundo, hoje, que exige muito dos pais e das mães, com uma carga de estresse de cobranças que só dificulta a solução dos conflitos, que são naturais e inerentes ao convívio humano. Além disso, temos tanto conhecimento científico sobre o desenvolvimento cerebral dos bebês, das crianças e dos adolescentes que muitas questões tradicionais estão sendo colocadas à prova, como os castigos físicos e os tratamentos humilhantes. Por isso, defendo que educação parental e até mesmo conjugal deve ser um tema indispensável para as políticas públicas de proteção à família, infância e juventude.”
Falta, segundo a especialista, um sistema que ensine aos pais sobre os estágios do desenvolvimento infantil, como lidar com cada fase, como desenvolver mecanismos de apego seguro, como praticar comunicação não violenta e como ensinar disciplina positiva em vez de apenas se reproduzir modelos tradicionais de violência e de opressão que só alimentam traumas.
“A parentalidade positiva é um freio a esse círculo vicioso de várias violências no espaço das famílias e, inclusive, pode ser um grande redutor do problema da alienação parental ao criar essa cultura de que os adultos respeitem a condição de sujeito de direito das crianças e dos adolescentes, entendendo a importância que laços familiares saudáveis têm para o seu crescimento.”
Em sua tese de doutorado, publicada pela editora Lumen Juris, em 2021, a professora sugere a criação de um Plano Nacional de Educação Parental e Conjugal, inspirado no Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. “Assim, poder-se-ia instruir a sociedade sobre como agir e como responder a situações de conflito antes que a bomba da desavença estoure e os ânimos já cheguem acirrados no Poder Judiciário”, conclui.
fonte: IBDFAM (https://ibdfam.org.br/noticias/9563/M%C3%AAs+de+Combate+%C3%A0+Aliena%C3%A7%C3%A3o+Parental%3A+fen%C3%B4meno+n%C3%A3o+est%C3%A1+restrito+%C3%A0+rela%C3%A7%C3%A3o+entre+pais+e+filhos%2C+e+educa%C3%A7%C3%A3o+familiar+pode+ser+um+caminho)
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